segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Tantas saudades

Há dias em que a gente acorda surumbático, nostálgico e as lembranças vão e vem trazendo saudades. E há saudade de quem tá perto, de quem tá longe, de quem já se foi, de quem um dia virá. Saudade da infância, saudade da mãe, saudade do pai, saudade de uma boneca, das amigas da infancia, das amiga da faculdade... saudades.

E pra sentir saudades de tudo isso, compartilho ...

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.


by Clarice Lispector



PRESENÇA
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos…
É preciso que a tua ausência trescale

sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo…
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida…
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato…
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.


by Mário Quintana

 
 
Em alguma outra vida,



devemos ter feito algo de muito grave,


Para sentirmos tanta saudade…


Trancar o dedo numa porta dói.


Bater com o queixo no chão dói.


Torcer o tornozelo dói.


Um tapa, um soco, um pontapé , doem.


Dói bater a cabeça na quina da mesa,


Dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.


Mas o que mais dói é a saudade.


Saudade de um irmão que mora longe,


Saudade de uma cachoeira da infância,


Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais,


Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu,


Saudade de uma cidade,


Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.


Doem estas saudades todas.


Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.


Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida.


Você podia ficar no quarto e ela na sala, sem se verem, mas sabiam-se lá.


Você podia ir para o dentista e ela pra faculdade, mas sabiam-se onde.


Você podia ficar o dia sem vê-la, ela sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.


Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor,


Ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.


Saudade é basicamente não saber.


Não saber mais se ela continua fungando num ambiente frio.


Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.


Não saber se ela ainda usa aquela saia.


Não saber se ele foi à consulta com o dermatologista como prometeu.


Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre culpada,


Se ele tem assistido às aulas de inglês, se aprendeu a entrar na internet,


A encontrar a página do Diário Oficial, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros,


Se ele continua preferindo Malzebier, se ela continua detestando McDonalds,


Se ele continua amando, se ela continua a chorar até nas comédias.


Saudade é não saber mesmo!


Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos,


Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento,


Não saber como frear as lágrimas diante de uma música,


Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.


É não saber se ela está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso…


É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.


Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer.


Saudade é isso que eu estive sentido enquanto escrevia


E o que você provavelmente estará sentindo depois que acabar de ler.




by Miguel Falabela

 
A UM AUSENTE







Tenho razão de sentir saudade,


tenho razão de te acusar.


Houve um pacto implícito que rompeste


e sem te despedires foste embora.


Detonaste o pacto.


Detonaste a vida geral, a comum aquiescência


de viver e explorar os rumos de obscuridade


sem prazo sem consulta sem provocação


até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.


Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.


Que poderias ter feito de mais grave


do que o ato sem continuação, o ato em si,


o ato que não ousamos nem sabemos ousar


porque depois dele não há nada?


Tenho razão para sentir saudade de ti,


de nossa convivência em falas camaradas,


simples apertar de mãos, nem isso, voz


modulando sílabas conhecidas e banais


que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.


Sim, acuso-te porque fizeste


o não previsto nas leis da amizade e da natureza


nem nos deixaste sequer o direito de indagar


porque o fizeste, porque te foste


by Carlos Drummond de Andrade

Saudade de Amar

Deixa eu te dizer, amor


Que não deves partir

Partir nunca mais

Pois o tempo sem amor

É uma dura ilusão

E não volta mais



Se tu pudesses compreender

A solidão que é

Te buscar por aí

Andando devagar

A vagar por aí

Chorando a tua ausência

Vence a tua solidão

Abre os braços e vem

Meus dias são teus

É tão triste se perder

Tanto tempo de amor

Sem hora de adeus
Oh, volta


Que nos braços meus

Não haverá adeus

Nem saudade de amar

E os dois, sorrindo a soluçar

Partiremos depois

by Vinicius de Moraes

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